Crítica | Logan – Degradação e Reinvenção do Cinema de Herói

Durante os últimos 20 anos a indústria cinematográfica desenhou seu caminho através dos filmes de super herói. Embora muito seja debatido a respeito dessas obras, principalmente no que se diz respeito a lógica industrial da produção audiovisual, muitos cineastas acharam nelas um caminho para trazer ótimas ideias para as telas. Pensando nisso, resolvi criar um espaço para debater o que temos de bom no gênero. O CineHQ é uma publicação reservada para falarmos sobre as adaptações de quadrinhos para o cinema. Coroando a estréia desse quadro nada melhor do que Logan, um filme que não só discute o ideal de heroísmo imposto até então como também é o preferido do editor.

Assim como todo os gêneros, os super heróis percorreram um certo caminho. Pode-se dizer que a onda que perdura até hoje nasceu nos anos 2000, quando Brian Singer lançava o primeiro X-Men. Depois dessa faísca, o fogo se espalhou e de repente todo mundo queria uma fatia desse bolo. Em pouco tempo todos os estúdios estavam trabalhando duro para conseguir tirar proveito dessa onda, tantas produções (muitas sem uma gota de personalidade) acabaram por saturar a audiência. Então veio a parte do ciclo que normalmente dá os melhores frutos, a reinvenção.

Logan já é uma releitura do que se teve de melhor até então, só que direcionado a proporcionar algumas outras reflexões. A decadência dos poderes, a doença física e mental em decorrência de atitudes prévias e a humanização de seres que eram posicionados como deuses. Tudo isso ligado em um filme que certamente explora ação, violência e outros aspectos padrões sem se desligar de uma narrativa familiar. Temos um road movie clássico, mas ao invés de uma união desfuncional de personagens que aprende a lidar com suas diferenças, acompanhamos um grupo de mutantes que nunca teve essa noção e que, através de sua percepção social distorcida, tenta galgar um elo que apenas esboça as relações humanas.

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Não acho exagero dizer que esse é o filme que um verdadeiro fã de quadrinhos e cinema faria. Temos aqui o melhor dos dois mundos e vemos o drama e o aprofundamento cinematográfico em sintonia com a “mirabolância” clássica das HQs. O pilar da adaptação é saber o que retirar do produto original ao passa-lo para a tela, simplesmente recriar quadro por quadros no cinema não funciona, tão pouco tentar implementar 100% da estética. Ele sabe exatamente até onde deve ir na mítica de super heróis para que consiga desconstruir alguns ideais clichês.

O principal deles é o uso da violência em prol da narrativa. Nem tudo precisa ser justificado, mas eu gosto de ver como que a utilização desse recurso mudou ao longo do tempo. No começo podemos dizer que ele usava as suas habilidades majoritariamente como um instrumento estético. As garras, a regeneração e todo o show de performance entregue filme após filme fazia parte do espetáculo, algo tão vazio quanto queria ser. Em Logan essa brutalidade sobe a uma nova esfera.

Primeiro que o teor performático se perde, um velho com garras de adamantium prefere o caminho mais fácil entre seu oponente e a vitória, por isso, passa a usar a força como um reflexo de seu cansaço. Quando ele começa a desenvolver uma causa pela qual vale a pena lutar ele canaliza a violência como um instrumento de resistência. Não luta por essa ser a única coisa que sabe fazer, luta por algo que vale a pena lutar.

O Wolverine sempre foi um personagem que apanhou muito para suas leituras no cinema. Enquanto Hugh Jackman sempre foi um grande interprete, ele esteve constantemente em filmes que simplesmente não faziam jus a sua entrega. Se pegarmos só os filmes do carcaju a situação piora ainda mais, obras medíocres na melhor das hipóteses em que muitas vezes o herói ficava tão vazio quanto a trama.

Em contrapartida, na sua versão de 2017 ele finalmente desenvolveu uma motivação válida. É muito interessante analisarmos que no começo do filme Logan só tem olhos para o dinheiro, dessa forma, conseguiria o barco para deixar a ameça de Charles longe da sociedade. Com o desenrolar da trama e com o surgimento de um novo grupo de mutantes aos poucos ele passa a ganhar um novo propósito, esse instinto de sobrevivência que ele emana enxerga em Laura a oportunidade de deixar uma marca boa no mundo. Ele vê na garota a possibilidade de se desprender do passado doloroso que carrega nas costas, para um futuro esperançoso do qual não faz parte.

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Alguns estudioso de cinema apontam que existem quatro escapatórias para um gênero cinematográfico quando esse se esgota. Ele pode apelar para o exagero, a nostalgia, a desconstrução e a reafirmação. Aqui nós temos um caso interessante. Enquanto a já citada violência apela para uma desconstrução de sua utilização romântica em todo o histórico de filmes de herói, a reafirmação de seus ideais postos sobre uma causa se justifica.

Eu vejo nesse filme uma grande provocação sobre tudo que tivemos até então e a crítica é bem explícita na cena das revistinhas. Mas mesmo com essa aura provocativa ainda fica claro o apreço pela base fundamentada anteriormente. Acho que ele sabe incitar a reinvenção do gênero de uma forma bem honesta, pontuando que dá para inovar mesmo com todas as convenções que cercam a estética. Logan é o primeiro degrau de um novo lance de escadas para os super heróis, essencial e instigante.

Voltando na cena quando descobrimos que o tal Éden é na realidade um plano das enfermeiras com base nos quadrinhos dos X-Men, eu gostaria de pontuar que talvez essa seja a minha parábola favorita no cinema de heróis. Primeiro que é bem interessante pensar que os quadrinhos existem nesse universo, mas ao invés de serem pura ficção, eles tem toques engrandecidos de verdade. O uso da mentira aqui é o que me deixar maravilhado.

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Estamos acompanhando um filme de ficção que, na análise mais simplista da coisa, é uma mentira bem contada. Às vezes a gente subestima o potencial desse recurso. O limiar entre o verdadeiro e o falso é o quanto as pessoas acreditam. As crianças transformaram o seu mundo ao ponto de trazer para a realidade aquilo que lhes dava esperança de salvação e isso é de fato muito bonito, a capacidade de trazer para a si os temas que vemos na arte é onde se encontra a verdadeira poesia.

Dá para notar que o Éden não é como o esperado, mas é como deveria ser, aqui ele cutuca mais uma vez as adaptações cinematográficas, mostrando que filmar uma história visando ser o mais próximo do original possível não é o suficiente. A alma do negócio está em reinventar uma narrativa e usar todos os recursos possíveis para que o espectador queira extrair dessa história as mentiras que gostaria que fossem verdade.

Assim como a pegada road movie que eu pontuei no começo do texto, quando o filme acaba nós temos a sensação que aquela jornada terminou. Acompanhamos a despedida de um personagem extremamente marcante e relevante para o cenário atual e de quebra ainda ganhamos uma reflexão sobre identidade.

Na metade do filme, enquanto Laura e Charles assistem ao filme Os Brutos Também Amam (Shane, 1953), o pensamento “um homem tem que ser o que ele é” adentra na narrativa. Logan sempre foi o que ele não era, ele se convenceu de que ser uma máquina de matar que trazia sofrimento para as pessoas era sua sina, sua personalidade foi obscurecida e amargurada pelas peças que a vida pregou e que sempre lhe causaram tanta dor. Ele não poderia estar mais errado sobre si mesmo.

No final, o seu sacrifício é em prol da nova geração, ele entende que vale a pena morrer pelo que vem depois. James Howlett sempre foi um guerreiro que inconscientemente lutou por aceitação, sobrevivência e acima de tudo, pelos mutantes. Assim como a frase do filme de 53, em sua última batalha ele retornou a ser o que era.

Em seu último suspiro ele diz “então essa é a sensação”. Não só seu anseio pela morte foi atendido aqui, mas ele finalmente lutou por algo que acreditava. Morrer para dar fim a dor foi um sentimento deixado de lado em prol da causa que se dispôs a defender ou a família que finalmente aprendeu a preservar. Quando Laura vira a cruz em seu túmulo e a transforma em um X, temos um lembrete de que ele não escapou de seu destino. Ele foi o que sempre foi, um herói.

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